O ano era 1914. As ruas de Paris estavam cheias de cafés, a Alemanha exibia seu avanço industrial, a Inglaterra dominava os mares, e o Império Austro-Húngaro ainda se mostrava como uma monarquia orgulhosa e plural. Em resumo, a Europa vivia um tempo de aparente estabilidade — o que o historiador britânico Eric Hobsbawm chamou de “a era dos impérios” (HOBSBAWM, 1989). Mas bastava observar com mais atenção para perceber que o continente estava tenso, como um campo seco prestes a ser incendiado.
As potências europeias estavam armadas até os dentes. O sistema de alianças — a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) e a Tríplice Entente (França, Reino Unido e Rússia) — parecia garantir um equilíbrio de forças, mas, na prática, criava um efeito dominó: qualquer conflito localizado poderia arrastar o continente inteiro. Os nacionalismos extremados e o militarismo exacerbado fermentavam em discursos políticos, jornais e universidades. Faltava apenas um estopim. E ele veio.
O Estopim: Sarajevo, 28 de Junho de 1914
A resposta foi rápida. A Áustria-Hungria, com apoio da Alemanha, declarou guerra à Sérvia. A Rússia, defensora dos povos eslavos, mobilizou-se. Em poucos dias, o sistema de alianças entrou em ação: Alemanha declarou guerra à Rússia e à França; o Reino Unido respondeu após a invasão alemã à Bélgica.
Uma Guerra Total: A Máquina Quebrada da Civilização
O que parecia ser uma guerra curta — muitos acreditavam que “estariam de volta até o Natal” — transformou-se em um conflito longo, violento e sem precedentes. A Primeira Guerra Mundial mobilizou cerca de 70 milhões de soldados, matou mais de 10 milhões de pessoas e deixou marcas profundas na Europa e no mundo.
A guerra de trincheiras, a introdução de novas tecnologias destrutivas, como o gás mostarda, os tanques e a artilharia pesada, trouxeram à tona a face desumana da modernidade. Como observou o historiador cultural George Mosse, esse foi o momento em que a guerra deixou de ser uma ideia “romântica” e se transformou em “experiência brutal e desmoralizante” (MOSSE, 1990).
O poeta e soldado Wilfred Owen, morto uma semana antes do fim do conflito, captou bem esse espírito em seus versos: “Dulce et decorum est pro patria mori” — morrer pela pátria — era, para ele, uma “velha mentira” (OWEN, 1917).
As Causas Estruturais do Conflito
Diversas escolas historiográficas tentaram compreender as raízes da Grande Guerra.
Para a historiografia marxista, representada por pensadores como Lenin, a guerra foi resultado direto da fase imperialista do capitalismo. A corrida por colônias, mercados e matérias-primas entre as potências europeias teria levado inevitavelmente ao conflito (LENIN, 1916). Hobsbawm, nessa linha, considera a Primeira Guerra como a “falência do sistema liberal-burguês europeu”, incapaz de resolver suas contradições internas sem recorrer à guerra (HOBSBAWM, 1995).
Já a historiografia liberal destaca o fracasso da diplomacia e a má condução das lideranças políticas. Para Paul Kennedy, autor liberal influente, “as rivalidades entre as grandes potências se tornaram irreconciliáveis quando os líderes políticos falharam em acomodar mudanças no equilíbrio de poder” (KENNEDY, 1987).
A historiografia culturalista, por sua vez, investiga os valores da sociedade da época, argumentando que a guerra foi possível porque havia uma aceitação cultural da violência como algo heroico. Segundo Mosse (1990), havia uma glorificação do sacrifício e do corpo masculino como instrumento da pátria, o que facilitou a mobilização e a obediência à guerra.
O “Barril de Pólvora” dos Bálcãs
Os Bálcãs eram considerados o ponto mais instável da Europa. A desintegração do Império Otomano e o avanço dos nacionalismos criaram um ambiente explosivo. Sérvios, bósnios, croatas, albaneses e outros grupos étnicos disputavam território e identidade, muitas vezes apoiados por grandes potências. Como afirmou o historiador francês Marc Ferro, “os Bálcãs eram o reflexo mais sensível das tensões do Velho Mundo” (FERRO, 1992, p. 47).
Uma Geração Perdida
O impacto da guerra foi devastador. Intelectuais, artistas e operários se viram arrastados para o front. Universidades foram esvaziadas. Cemitérios, preenchidos. Segundo Stefan Zweig, que viveu o período, “o mundo da segurança desaparecera” (ZWEIG, 1943). A Primeira Guerra encerrou a chamada Belle Époque e mergulhou o mundo em uma era de incertezas.
Referências
FERRO, Marc. A Grande Guerra: 1914–1918. São Paulo: Ática, 1992.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios: 1875–1914. São Paulo: Paz e Terra, 1989.
HOBSBAWM, Eric. A Era dos Extremos: o breve século XX (1914–1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências. Rio de Janeiro: Campus, 1987.
LENIN, Vladimir. Imperialismo: fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1986.
MOSSE, George. A Imagem do Homem: a masculinidade e a cultura da guerra. São Paulo: UNESP, 1990.
OWEN, Wilfred. Dulce et Decorum Est. 1917.
ZWEIG, Stefan. O Mundo de Ontem: memórias de um europeu. São Paulo: José Olympio, 1943.
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