terça-feira 05 2025

O Fim do Estado Novo


O Estado Novo, instaurado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, representou um período de ditadura no Brasil, inspirado em regimes totalitários europeus. Caracterizou-se pela suspensão das garantias constitucionais, dissolução dos partidos políticos e censura à imprensa (FAUSTO, 2013). No entanto, com o desenrolar da Segunda Guerra Mundial e a crescente mobilização da sociedade civil, o regime começou a dar sinais de esgotamento.

A contradição entre o apoio do Brasil aos Aliados — que combatiam regimes totalitários como o nazismo e o fascismo — e a natureza autoritária do governo de Getúlio Vargas se tornou cada vez mais evidente à medida que a Segunda Guerra Mundial avançava. O país, que internamente mantinha uma estrutura repressiva, sem partidos políticos e com forte censura aos meios de comunicação, estava, no plano internacional, ao lado das democracias ocidentais que lutavam justamente contra regimes que negavam liberdades civis e políticas. Essa dissonância não passou despercebida, tanto no cenário internacional quanto entre os brasileiros. Como bem destacou Skidmore (1988, p. 153), “a posição do Brasil como aliado dos Estados Unidos contra regimes totalitários era incompatível com sua política interna repressiva”.

O envio da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar na Itália ao lado dos Estados Unidos e do Reino Unido teve um impacto simbólico profundo. Soldados brasileiros estavam literalmente arriscando a vida por ideais democráticos enquanto, em seu próprio país, esses mesmos valores eram suprimidos. Isso gerou um movimento crescente de conscientização política, especialmente entre os militares e setores da classe média urbana. Muitos passaram a questionar a legitimidade de um governo que pregava a liberdade lá fora, mas que a negava internamente.

A partir de 1943, esse sentimento começou a ganhar força. A sociedade civil, cada vez mais ativa, passou a se organizar por meio de movimentos estudantis, setores religiosos e sindicatos, que viam na redemocratização uma saída possível para os problemas políticos e sociais do país. Os jornais, mesmo sob censura, encontravam maneiras de expressar críticas veladas ao regime. Os próprios militares, antes base de apoio do Estado Novo, começaram a se dividir, com uma parcela significativa exigindo o retorno ao regime constitucional.

René Dreifuss (1981) aponta que esse período marcou o surgimento de uma oposição mais clara e articulada ao autoritarismo, refletindo um cansaço generalizado com o regime e o desejo por mudanças profundas. A pressão era crescente e vinha de todos os lados: das ruas, dos quartéis, da imprensa e até do cenário internacional. O discurso pró-democracia deixou de ser apenas uma aspiração distante para se tornar uma demanda concreta e urgente, que colocava em xeque a permanência de Vargas no poder.

Com o término da Segunda Guerra Mundial em 1945, o cenário político brasileiro passou por profundas transformações. A vitória dos Aliados contra os regimes totalitários reacendeu, no Brasil, os ideais de liberdade e democracia, e colocou ainda mais em evidência a incongruência entre a política externa do país e o autoritarismo vigente sob o Estado Novo. Getúlio Vargas, que governava com poderes amplos desde 1937, começou a enfrentar um processo crescente de desgaste. Seu governo, que antes se legitimava pela promessa de ordem e desenvolvimento, passou a ser duramente questionado por amplos setores da sociedade.

Internamente, Vargas já não contava com o mesmo apoio de antes. As Forças Armadas, que sempre foram um dos pilares de sustentação do regime, começaram a pressioná-lo pela redemocratização. A presença de militares brasileiros na Europa durante a guerra teve um impacto profundo sobre o pensamento político dentro dos quartéis. Muitos oficiais retornaram ao Brasil com uma visão mais crítica sobre regimes autoritários, tendo convivido e combatido lado a lado com democracias consolidadas como os Estados Unidos e o Reino Unido.

Ao mesmo tempo, a mobilização popular aumentava. Intelectuais, jornalistas, estudantes e trabalhadores passaram a exigir o fim do regime e a convocação de eleições diretas. A censura já não era suficiente para conter as vozes de oposição, que se espalhavam com força crescente pelos jornais, rádios e comícios. As ruas se tornaram espaços de contestação política, e a sociedade civil assumiu um papel protagonista no processo de mudança.

Diante desse cenário, Vargas tentou manobrar: criou o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sinalizou com a promessa de eleições e buscou manter sua influência no futuro político do país. No entanto, essas ações foram interpretadas como tentativas de prolongar seu poder, o que intensificou ainda mais a desconfiança de setores militares e civis. Em 29 de outubro de 1945, antes mesmo da realização das eleições, Getúlio Vargas foi deposto por um movimento articulado por militares, pondo fim ao Estado Novo (FAUSTO, 2013).

Como afirma Figueiredo (2003, p. 212), “a queda de Vargas representou a vitória das forças democráticas e o início de uma nova fase da política brasileira”. Mais do que o fim de um governo, sua deposição simbolizou a superação de um ciclo autoritário e o começo de um novo capítulo em que a construção de instituições democráticas passou a ser o objetivo central.

O fim do Estado Novo, portanto, não foi um acontecimento isolado, mas o resultado de uma série de pressões acumuladas — internas e externas — que tornaram insustentável a permanência de um regime baseado na repressão e na concentração de poder. A guerra, a conscientização política da população e o reposicionamento das Forças Armadas criaram um ambiente propício à mudança. Ainda que os desafios da democracia no Brasil fossem imensos, aquele momento representou um passo importante rumo à reconstrução institucional e à afirmação de valores republicanos no país.

Referências

DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: Edusp, 2013.

FIGUEIREDO, Luciano Aronne de Abreu. O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo: do início dos anos 30 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Getúlio a Castelo. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

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