Quando se fala da Primeira Guerra Mundial, é comum imaginar apenas trincheiras enlameadas, explosões incessantes e milhões de mortos. Mas essa guerra, que mudou para sempre o destino do século XX, passou por fases muito distintas — da expectativa de uma vitória gloriosa à dolorosa realidade de um conflito longo, brutal e sem sentido claro. Compreender essas fases é essencial para entender como um evento pontual — o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando em 1914 — se transformou numa tragédia continental.
Primeira fase (1914): A guerra de movimento e a ilusão da vitória rápida
O início do conflito foi marcado pelo que os historiadores chamam de "guerra de movimento". Havia um entusiasmo generalizado entre as populações europeias. Jovens corriam aos postos de alistamento movidos pelo patriotismo, enquanto políticos e militares apostavam em uma vitória rápida. A Alemanha, por exemplo, colocou em prática o Plano Schlieffen, que previa invadir a França passando pela Bélgica neutra, acreditando que derrotaria os franceses em semanas.
Como explica o historiador Martin Gilbert, "os líderes europeus estavam presos à ideia de que a guerra seria breve, como as campanhas do século XIX. Mas subestimaram a escala da destruição que a tecnologia moderna poderia causar" (GILBERT, 2004, p. 22).
Do outro lado, a Rússia mobilizava-se rapidamente, pressionando a Alemanha por dois flancos. O que parecia uma questão de meses logo revelou-se o início de um pesadelo.
Segunda fase (1915–1916): A guerra de trincheiras e o impasse sangrento
Quando a rápida vitória falhou, os exércitos cavaram posições fixas, dando início à guerra de trincheiras. No fronte ocidental, uma linha contínua de trincheiras se estendeu do Mar do Norte à Suíça. Milhões de soldados passaram anos em condições desumanas, enfrentando frio, doenças, ratos, medo constante e o barulho ensurdecedor da artilharia.
A Batalha de Verdun (1916) e a Batalha do Somme (1916) se tornaram símbolos da brutalidade e da futilidade desse período. "A guerra havia se tornado uma máquina de moer carne humana", escreveu o historiador Eric Hobsbawm (1995, p. 35).
Além disso, o uso de armas químicas, como o gás mostarda, e o avanço de tecnologias mortíferas como metralhadoras e lança-chamas transformaram os combates em massacres.
A historiadora Margaret MacMillan observa: "A guerra havia ultrapassado a lógica. Ela persistia porque ninguém queria assumir a responsabilidade pela derrota, ainda que isso significasse matar mais milhares" (MACMILLAN, 2014, p. 211).
Terceira fase (1917): A crise interna e a entrada dos Estados Unidos
Em 1917, o cenário mudou radicalmente. Internamente, muitos países estavam à beira do colapso. Na Rússia, a insatisfação com a guerra levou à queda do czar Nicolau II e à Revolução Bolchevique. Com a assinatura do Tratado de Brest-Litovsk, os soviéticos deixaram a guerra.
No mesmo ano, os Estados Unidos romperam sua neutralidade e declararam guerra à Alemanha, após ataques a navios civis por submarinos alemães e a descoberta do Telegrama Zimmermann, que sugeria uma aliança entre Alemanha e México contra os EUA.
Para Christopher Clark, “a entrada dos americanos não apenas trouxe soldados e suprimentos, mas também uma nova visão moral e política sobre o mundo pós-guerra” (CLARK, 2013, p. 460).
A entrada dos EUA reequilibrou o poder militar e deu esperança às potências da Tríplice Entente. Porém, os soldados continuavam morrendo aos milhares, e os civis sofriam com escassez, censura e repressão.
Quarta fase (1918): O colapso dos impérios e o fim do conflito
Em 1918, a guerra chegou ao fim, mas não por uma vitória esmagadora, e sim pelo colapso interno das Potências Centrais. O Império Austro-Húngaro e o Império Otomano estavam desintegrando-se. A Alemanha, ainda tentando uma ofensiva final no ocidente, foi contida e começou a enfrentar greves, fome e rebeliões em casa.
O historiador Richard J. Evans afirma: "O fim da guerra foi menos uma vitória dos Aliados do que o colapso simultâneo de estruturas imperiais que já estavam fragilizadas" (EVANS, 2009, p. 127).
No dia 11 de novembro de 1918, o armistício foi assinado. A guerra havia acabado, mas o mundo que existia antes dela também. Mais de 16 milhões de mortos, dezenas de milhões de feridos e um continente inteiro traumatizado.
Conclusão
A Primeira Guerra Mundial não foi um evento uniforme. Cada fase expôs uma faceta diferente do colapso de um sistema que acreditava no progresso, na razão e na ordem. No fim, a guerra não apenas destruiu cidades e nações, mas também esperanças e certezas.
Para Stéphane Audoin-Rouzeau, “a guerra não terminou em 1918: ela continuou em cada viúva, em cada órfão, em cada ruína, em cada silêncio” (AUDOIN-ROUZEAU, 2008, p. 287).
E como conclui Martin Gilbert, “o legado da Primeira Guerra foi uma herança de amargura, nacionalismo ferido e sede de revanche que preparou o terreno para uma nova tragédia global” (GILBERT, 2004, p. 512).
Referências
CLARK, Christopher. Os Sonâmbulos: como a Europa foi à guerra em 1914. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.
EVANS, Richard J. A busca pela vingança: A Europa na era das guerras, 1815–1914. São Paulo: Planeta, 2009.
GILBERT, Martin. A Primeira Guerra Mundial: Uma história completa. São Paulo: Planeta, 2004.
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: O breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
MACMILLAN, Margaret. A Guerra que acabou com a paz: O caminho para 1914. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.
AUDOIN-ROUZEAU, Stéphane. 14-18: Entender a Grande Guerra. São Paulo: Contexto, 2008.
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