segunda-feira 07 2025

Civilizações da Mesopotâmia


 Ao ouvir falar sobre as “civilizações antigas”, é comum que pensemos primeiro nos egípcios com suas pirâmides majestosas. No entanto, muito antes do esplendor de Cleópatra ou dos faraós, a história da humanidade já era profundamente marcada por povos que habitaram uma região fértil e estratégica entre dois rios: o Tigre e o Eufrates. A Mesopotâmia — palavra de origem grega que significa “terra entre rios” — foi o berço de algumas das mais antigas e influentes civilizações da história.

O berço das primeiras cidades

A Mesopotâmia localizava-se onde hoje está o atual Iraque, estendendo-se também por partes da Síria e do Irã. Ali, há mais de cinco mil anos, surgiram cidades organizadas, complexas e dotadas de sistemas administrativos surpreendentes para sua época. Entre os povos mesopotâmicos mais importantes destacam-se os sumérios, acádios, babilônios e assírios.

Os sumérios, considerados os primeiros a construir cidades-Estado, fundaram Ur, Uruk, Eridu e Lagash. Foram responsáveis por invenções fundamentais como a escrita cuneiforme — talvez a maior revolução intelectual da Antiguidade — usada inicialmente para registros econômicos e administrativos (KRAMER, 2006). Como aponta Vernant (1992), “a escrita surge como necessidade prática de um Estado em expansão”, e não como forma de expressão artística, ao contrário do que se costuma pensar.

A vida nas cidades: religião, política e trabalho

A sociedade mesopotâmica era fortemente teocrática: os templos ocupavam o centro das cidades, e os sacerdotes exerciam enorme poder político. Cada cidade tinha seu deus protetor, e a relação entre religião e governo era tão íntima que os reis frequentemente se apresentavam como escolhidos dos deuses ou mesmo como seus representantes diretos. A zigurate, torre-templo em degraus, simbolizava essa ligação entre o céu e a terra. 

Sítio arqueológico de Babilônia, Iraque. 

A agricultura era a base da economia, possível graças à fertilidade natural da planície aluvial. No entanto, o trabalho era organizado coletivamente e gerenciado pelas elites religiosas e políticas. Como destaca Childe (1980), essa organização social baseada no excedente agrícola permitiu a formação de uma elite urbana, além de comerciantes, escribas e artesãos especializados.

Leis, impérios e guerras

Os acádios, sob o comando de Sargão I, criaram o primeiro império da história por volta de 2300 a.C., unificando várias cidades sob um só governo. Posteriormente, os babilônios — com destaque para o rei Hamurábi (c. 1792–1750 a.C.) — deixaram como legado o famoso Código de Hamurábi, uma das primeiras tentativas conhecidas de codificar leis escritas. A célebre máxima “olho por olho, dente por dente” (HAMURÁBI, [1790 a.C.], apud LOPES, 2015) é parte dessa tradição jurídica, ainda que seu conteúdo varie conforme a posição social do acusado e da vítima.

Séculos depois, os assírios se destacaram como uma potência militar brutal e organizada, expandindo seu império com armamento avançado, estradas e uma estrutura administrativa centralizada. Eram temidos por suas táticas de guerra e políticas de dominação — mas também por sua eficiência administrativa.

Legado 

Apesar de sua antiguidade, a influência da Mesopotâmia permanece viva. Dali surgiram ideias que moldaram as bases da civilização ocidental, como a escrita, o Estado centralizado, a lei codificada, a divisão do tempo (com a hora de 60 minutos e o círculo de 360 graus) e até elementos míticos que influenciaram tradições religiosas posteriores, como o dilúvio descrito na Epopéia de Gilgamesh, possivelmente uma das primeiras obras literárias da humanidade (KRAMER, 2006).

A história da Mesopotâmia, portanto, é mais que uma coleção de nomes difíceis e datas distantes. É parte fundamental da própria história do ser humano enquanto ser social, político, criador de símbolos e construtor de cidades. Ignorar esse legado é como tentar entender a casa sem conhecer seus alicerces.

Como lembra o historiador Jacques Le Goff (2003), “a memória é a matéria-prima da história”. Relembrar a Mesopotâmia é, portanto, um exercício de justiça histórica e de compreensão das raízes mais profundas da nossa civilização.


Referências

CHILDE, Gordon. Os caminhos da história. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

HAMURÁBI. Código de Hamurábi. [c. 1790 a.C.]. In: LOPES, Luís. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2015.

KRAMER, Samuel Noah. A história começa na Suméria. 2. ed. São Paulo: Hemus, 2006.

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: Unicamp, 2003.

VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. São Paulo: Difel, 1992.

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